Metalinguagem

domingo, 9 de maio de 2010

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Do caderno de uma amiga
Algumas poesias eu li
E encontrei disparates
Escondidos em sutilidades
Das quais não pude deixar de rir

Por que só em noites frias
É que sentimos solidão?
Será que ninguém é solitário
E sofre o vazio de não ser amado
Em tardes quentes de verão?

E por que é sempre a lua
que inspira os apaixonados?
Ninguém declama ao sol,
O astro rei, pobre coitado
Que sempre é deixado de lado.

E que o escapismo covarde
Dizer que dói o tal amor
Pois é a rima mais fácil, de fato,
Entre dois substantivos abstratos
Que nem aqui ouso pôr.

Ah, poesia, poesia
Por que gasto contigo
Linhas e linhas de minha grafia
Já que tudo o que é poético
Me soa assim, meio patético?

E nessa poesia diária
Onde todos os amantes sofrem
Sigo sozinho porque o quis
Pois se amar é José de Alencar
Minha vida é Machado de Assis.

         Daniel Colicchio Aliprandini

O assassino era o escriba

terça-feira, 27 de abril de 2010

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 Meu professor de análise sintática era o tipo do sujeito
inexistente.

Um pleonasmo, o principal predicado da sua vida,
regular como um paradigma da 1ª conjugação.

Entre uma oração subordinada e um adjunto adverbial,
ele não tinha dúvidas: sempre achava um jeito
assindético de nos torturar com um aposto.

Casou com uma regência.

Foi infeliz.

Era possessivo como um pronome.

E ela era bitransitiva.

Tentou ir para os E.U.A.

Não deu.

Acharam um artigo indefinido em sua bagagem.

A interjeição do bigode declinava partículas expletivas,
conectivos e agentes da passiva, o tempo todo.

Um dia matei-o com um objeto direto na cabeça.

                                  Paulo Leminski. Caprichos e relachos.

Antigamente

domingo, 18 de abril de 2010

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I

Antigamente, as moças chamavam-se mademoiselles e eram todas mimosas e muito prendadas. Não faziam anos: completavam primaveras, em geral dezoito. Os janotas, mesmo não sendo rapagões, faziam-lhes pé-de-alferes, arrastando a asa, mas ficavam longos meses debaixo do balaio. E se levavam tábua, o remédio era tirar o cavalo da chuva e ir pregar em outra freguesia. As pessoas, quando corriam, antigamente, era para tirar o pai da forca e não caíam de cavalo magro. Algumas jogavam verde para colher maduro, e sabiam com quantos paus se faz uma canoa. O que não impedia que, nesse entrementes, esse ou aquele embarcasse em canoa furada. Encontravam alguém que lhes passasse a manta e azulava, dando às de Vila-Diogo. Os mais idosos, depois da janta, faziam o quilo, saindo para tomar fresca; e também tomavam cautela de não apanhar sereno. Os mais jovens, esses iam ao animatógrafo, e mais tarde ao cinematógrafo, chupando balas de alteia. Ou sonhavam em andar de aeroplano; os quais, de pouco siso, se metiam em camisa de onze varas, e até em calças pardas; não admira que dessem com os burros n’água.
        Havia os que tomaram chá em criança, e, ao visitarem família da maior consideração, sabiam cuspir dentro da escarradeira. Se mandavam seus respeitos a alguém, o portador garantia-lhes: “Farei presente.” Outros, ao cruzarem com um sacerdote, tiravam o chapéu, exclamando: “Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo”, ao que o Reverendíssimo correspondia: “Para sempre seja louvado.” E os eruditos, se alguém espirrava — sinal de defluxo — eram impelidos a exortar: “Dominus tecum”. Embora sem saber da missa a metade, os presunçosos queriam ensinar padre-nosso ao vigário, e com isso metiam a mão em cumbuca. Era natural que com eles se perdesse a tramontana. A pessoa cheia de melindres ficava sentida com a desfeita que lhe faziam, quando, por exemplo, insinuavam que seu filho era artiloso. Verdade seja que às vezes os meninos eram mesmo encapetados; chegavam a pitar escondido, atrás da igreja. As meninas, não: verdadeiros cromos, umas teteias.
        Antigamente, certos tipos faziam negócios e ficavam a ver navios; outros eram pegados com a boca na botija, contavam tudo tintim por tintim e iam comer o pão que o diabo amassou, lá onde Judas perdeu as botas. Uns raros amarravam cachorro com linguiça. E alguns ouviam cantar o galo, mas não sabiam onde. As famílias faziam sortimento na venda, tinham conta no carniceiro e arrematavam qualquer quitanda que passasse à porta, desde que o moleque do tabuleiro, quase sempre um cabrito, não tivesse catinga. Acolhiam com satisfação a visita do cometa, que, andando por ceca e meca, trazia novidades de baixo, ou seja, da Corte do Rio de Janeiro. Ele vinha dar dois dedos de prosa e deixar de presente ao dono da casa um canivete roscofe. As donzelas punham carmim e chegavam à sacada para vê-lo apear do macho faceiro. Infelizmente, alguns eram mais do que velhacos: eram grandessíssimos tratantes.
        Acontecia o indivíduo apanhar constipação; ficando perrengue, mandava o próprio chamar o doutor e, depois, ir à botica para aviar a receita, de cápsulas ou pílulas fedorentas. Doença nefasta era a phtysica, feia era o gálico. Antigamente, os sobrados tinham assombrações, os meninos lombrigas, asthma os gatos, os homens portavam ceroulas, botinas e capa-de-goma, a casimira tinha de ser superior e mesmo X.P.T.O. London, não havia fotógrafos, mas retratistas, e os cristãos não morriam: descansavam.
        Mas tudo isso era antigamente, isto é,outrora.

II

     Antigamente, os pirralhos dobravam a língua diante dos pais, e se um se esquecia de arear os dentes antes de cair nos braços de Morfeu, era capaz de entrar no couro. Não devia também se esquecer de lavar os pés, sem tugir nem mugir. Nada de bater na cacunda do padrinho, nem de debicar os mais velhos, pois levava tunda. Ainda cedinho, aguava as plantas, ia ao corte e logo voltava aos penates. Não ficava mangando na rua nem escapulia do mestre, mesmo que não entendesse patavina da instrução moral e cívica. O verdadeiro smart calçava botina de botões para comparecer todo liró ao copo-d’água, se bem que no convescote apenas lambiscasse, para evitar flatos. Os bilontras é que eram um precipício, jogando com pau de dois bicos, pelo que carecia muita cautela e caldo de galinha. O melhor era pôr as barbas de molho diante de treteiro de topete: depois de fintar e engambelar os coiós, e antes que se pusesse tudo em pratos limpos, ele abria o arco. O diacho eram os filhos da Candinha: quem somava a candongas acabava na rua da amargura, lá encontrando, encafifada, muita gente na embira, que não tinha nem para matar o bicho; por exemplo, o mão-de-defunto.
        Bom era ter as costas quentes, dar as cartas com a faca e o queijo na mão; melhor ainda, ter uma caixinha de pós de perlimpimpim, pois isso evitava de levar a lata, ficar na pindaíba ou espichar a canela antes que Deus fosse servido. Qualquer um acabava enjerizado se lhe chegavam a urtiga no nariz, ou se o faziam de gato-sapato. Mas que regalo, receber de graça, no dia-de-reis, um capado! Ganhar vidro de cheiro marca barbante, isso não: a mocinha dava o cavaco. Às vezes, sem tirte nem guarte, aparecia o doutor pomada, todo cheio de nove horas; ia-se ver, debaixo de tanta farofa era um doutor da mula ruça, um pé-rapado, que espiga! E a moçoila, que começava a nutrir xodó por ele, que estava mesmo de rabicho, caía das nuvens. Quem queria lá fazer papel pança? Daí se perder as estribeiras por uma tutameia, um alcaide que o caixeiro nos impingia, dando de pinga um cascão de goiabada.
        Em compensação, viver não era sangria desatada, e até o Chico vir de baixo vosmecê podia provar uma abrideira que era o suco, ficando na chuva mesmo com bom tempo. Não sendo pexote, e soltando arame, que vida supimpa a do degas! Macacos me mordam se estou pregando peta. E os tipos que havia: o pau para toda obra, o vira-casaca (este cuspia no prato em que comera), o testa de ferro, o sabe com quem está falando, o sangue-de-barata, o Dr. Fiado que morreu ontem, o zé-povinho, o biltre, o peralvilho, o salta-pocinhas, o alferes, a polaca, o passador de nota falsa, o mequetrefe, o safardana, o maria vai com as-outras... Depois de mil peripécias, assim ou assado, todo mundo acabava mesmo batendo com o rabo na cerca, ou, simplesmente, a bota, sem saber como descalçá-la.
        Mas até aí  morreu Neves, e não foi no Dia de São Nunca de Tarde: foi vítima de pertinaz enfermidade que zombou de todos os recursos da ciência, e acreditam que a família nem sequer botou fumo no chapéu?

                                Carlos Drummond de Andrade. Caminhos de João Brandão.

Estrangeirismo 1

quinta-feira, 15 de abril de 2010

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Não compliquem o nosso idioma
                                                              
      Na bolsa, só cheque e cartão de crédito. Cadê dinheiro para pagar o etacionamento? Recorri ao personal banking. No drive thru, a primeira máquina estava out of order. Fui à segunda. Nada feito: sistema off line. Liguei para o hot line. Expliquei meu aperto à operadora. "Vamos estar providenciando o conserto do caixa. A senhora pode acessar sua conta em outro terminal. O mais próximo fica no shopping." Fui lá o sistema estava on line. Embolsei R$ 100 cash.
      O inglês invadiu as instituições bancárias. Antes, timidamente. Restringia-se ao traveller´s check, ao credicard  e a aplicações inacessíveis aos comuns dos mortais. Depois, ficou atrevido. Foi deixando o português para trás. Para chegar lá, trilhou dois caminhos. Um cuidadosamente traçado pelo marketing. Os bancos passaram a oferecer produtos na linguagem do cliente. Ou melhor: na linguagem que impressiona o cliente. Embalar o serviço na língua do Tio Sam valoriza a oferta. Dá-lhe status. Telemarketing, personal manager, phone banking & cia. São filhotes dessa estratégia.
      Deu a mão? A gringa avançou pro braço. Sem convite, foi além de meras palavras. Chegou à estrutura de línguas. Fincou  pé nos verbos. Exemplos não faltam. Um deles: substituir o futuro "providenciarei" pelo "vamos estar providenciando". Outro: trocar o pretérito "foi desligado" pelo "tem sido desligado".
      De onde vêm os monstregos? Das traduções mal feitas. O inglês tem muitas formas verbais compostas. É o caso do "I´ll be sending". Três verbos para dizer o nosso simples "enviarei", traduzido por "vou estar en-viando". Há também o past perfect "The telephone has been desconected" que quer dizer "o telefone foi desligado". Não tem nada a ver com "tem sido desligado", que indica uma ação que começou no passado e continua no presente. Com o avanço da informática e do marketing, a coisa piorou. A literatura dessas novidades é praticamente em língua inglesa. Nós consumimos as traduções.
      Invasão de língua estrangeira tem várias razões. Uma é prestígio. O inglês avançou nas nossas fronteiras porque é falado pela maior potência do planeta, que vende como ninguém sua música, seu cinema, sua televisão, sua literatura, sua tecnologia e o seu american way of live. Outra é a receptividade. Nós, já dizia Gláuber Rocha, temos complexo de vira-lata. O que vem de fora é melhor.
       O inglês deita e rola. O disque virou disk. Do disk-pizza ao disk-entulho, passando pelo disk-sushi e disk-bombeiro. Liquidação é sale. Moda, fashsion. Camiseta, T-shirt. Relatório, paper. Acampar, camping. Revisão médica, check-up. Por que os bancos ficariam para trás? Fundo se naturalizou fund. Taxa de risco, spread. Loan, empréstimo.
      O inglês na vida tupiniquim não é novidade. Vem de longe. Mas se firmou graças a Hollywood, à Segunda Guerra Mundial e ao avanço tecnológico. Ava Gardner, Greta Garbo, Clark Gable, Rodolfo Valentino, James Dean, Elvis Presley e cia. Deram asas à imaginação deste país colonizado. Bom ser bonito e famoso como eles. Mascar chicletes, tomar Coca-Cola, fumar Camel e usar óculos Rayban viraram obsessão.
      A guerra trouxe os gringos até aqui. Vivíamos a política da boa vizinhança com os Estados Unidos. Natal, Recife, São Luís, Belém foram invadidas pelo povo do norte em nome da sagrada aliança contra Hitler, Mussolini e todas as forças do mal encarnadas no Eixo.
      Inventaram que aí nasceu a palavra forró. Os gringos promoviam festas para si. Eram privacy. Volta e meia, abriam. Aí eram for all, para todos. Nossos caboclos, analfabetos em português e duplamente em inglês, simplificaram a pronúncia. For all virou o nordestíssimo forró. Puro folclore. Forró é a redução de forrobodó. Mas a versão tem sido tão insistentemente repetida que virou verdade.
      A familiaridade com o inglês deixou-nos ousados. Hoje aportuguesamos termos que nem sonhavam figurar no Aurélio. Muito menos no Vocabulário Ortográfico. A informática serve de exemplo. Com ela, nossa criatividade alça voos. E ultrapassa os limites da máquina. Deletar tomou a vez do velho "apagar". Printar expulsou o "imprimir". Startar caçou o "começar".
      É isso. Quem não aderiu se tornou out. Que corra atrás do prejuízo. Peça help e vire in.

                                        Dad Squarisi. Revista Exame, 18/11/1998

domingo, 11 de abril de 2010

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"Dever do poeta é cantar com seu povo e dar ao homem o que é do homem: sonho e amor, luz e noite, razão e desvario."
                                                                   Pablo Neruda

Pedem-me um poema

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Pedem-me um poema,
um poema que seja inédito,
poema é coisa que se faz vendo,
como imaginar Picasso cego?

Um poema se faz vendo,
um poema se faz para a vista,
como fazer um poema ditado
sem vê-lo na folha escrita?

Poema é composição
mesmo da coisa vivida,
um poema é o que se arruma,
dentro da desarrumada vida.

Por exemplo, é como um rio,
por exemplo, um Capibaribe,
em suas margens domado
para chegar ao Recife.

                        João Cabral de Melo Neto




Aula de Português

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p     r       r    t
    u    o    c  s
 u      o    r   r     s  
P       t           ê
  u   L   p    u  t
u  ê  o    g     P  ê       u  
           o                  t
ê     u    g    ú  t   o   s  
      ê     g   o         r   a
  o   i   P      u        P
A linguagem
na ponta da língua,
tão fácil de falar
e de entender.
A linguagem
na superfície estrelada de letras,
sabe lá o que ela quer dizer?
Professor Carlos Góis, ele é quem sabe,
e vai desmatando
o amazonas de minha ignorância,
Figuras de gramática, esquipáticas,
atropelam-me, aturdem-me, sequestram-me.
Já esqueci a língua em que comia,
em que pedia  para ir lá fora,
em que levava e dava pontapé,
a língua, breve língua entrecortada
do namoro com a prima.
O português são dois; o outro, mistério.
                        Carlos Drummond de Andrade

Livraria como lugar de terapia

quinta-feira, 8 de abril de 2010

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Escrito por Gabriel Perissé   
 22-Mar-2010

Entrar numa livraria é, em si mesmo, um ato terapêutico. Tudo ali converge para a cura do tédio e outras doenças: livros que querem gente e gente que gosta de livros, gente que trabalha com livros e gente buscando livros, cheiro de livro, livros em exposição, suas capas, a sensação incontestável de que o mundo é feito de papel e palavras.
  Pelo menos uma vez por semana, saia da cama com a idéia fixa: entrar numa livraria. Fique ali durante meia hora, ou mais. Toque os livros e se deixe observar por eles.
  Escolha um, leia algumas páginas ao acaso. Visite autores conhecidos. Conheça novos autores. Não pisque, não hesite, arrisque, molhe os pés nas águas frias de algum livro.
  Não é preciso comprar nenhum livro no dia em que estiver na livraria. Basta ficar ali dentro, experimentando o clima livral, como se o mundo fosse aquilo só, aquela fosse a paisagem em que nos coube viver.
  Escolha um dia qualquer, entre na livraria, para ouvir a respiração dos livros, seus sussurros, seus chamados silenciosos, sentir no ar a aflição dos livros — porque eles querem sair dali para conhecer a realidade aqui fora.
  Se algum livro conquistar você, compre-o então, tire-o dali, daquela prisão, daquela redoma, daquele orfanato, daquele abismo. Leve-o para fora, prometa-lhe a leitura mais intensa, as descobertas mais empolgantes, os delírios de quem lê. Leve-o para fora dali. Para dentro da sua vida.
  O livro comprado e levado é mais do que uma nova companhia. É compromisso para sempre, na euforia e na depressão, na miséria e na abundância, sem possibilidade de empréstimos, pois bem sabemos que livro não se empresta... Nem se devolve.
  Ao chegar em casa, deixe o livro descansar um pouco, não tenha pressa. Deixe que ele se sinta à vontade. Mais tarde, quando enfim vocês dois estiverem juntos e puderem conversar em paz, esqueça-se de tudo, para lembrar o essencial.
  Contudo, muitos outros livros estão ainda na livraria, sem destino, correndo o risco do encalhe, abandonados à própria sorte, ameaçados pelo esquecimento, pela morte. É preciso, portanto, voltar até lá, mergulhar outra vez na livraria.
  Entre na livraria qualquer dia desses. Lá estão eles, os livros. Não queira saber se são caros ou baratos, famosos ou modestos, compreensíveis ou obscuros. Entre lá. Eles estão esperando por você, ansiosamente.
 
Gabriel Perissé é doutor em Educação pela USP e escritor.

Metamorfose

sexta-feira, 2 de abril de 2010

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A palavra atravessa
a máscara pálida da emoção
e instiga o reflexo ofuscante da criação.

Através da forma formosa
da disforme fôrma
da alomorfia da metáfora
crio e recrio
o empírico
o impuro 
o imperene.

Até o nada 
me alucina
me fertiliza.
Niilismo lírico
da existência metamórfica
que me desgasta
e se engasta na palavra.

Essa palavra que atravessa
o corpo silente
e explode e se expande
como o cosmo
metaformoso.

                                      Sílvio L. S. Bedani et alii

Antes do nome

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Não me importa a palavra, esta corriqueira.
Quero é o esplêndido caos de onde emerge a sintaxe,
os sítios escuros onde nasce o 'de', o 'aliás',
o 'o', o 'porém' e o 'que', esta incompreensível
muleta que me apoia.
Quem entender a linguagem entende Deus
cujo Filho é o Verbo. Morre quem entender.
A palavra é disfarce de uma coisa mais grave, surda-muda,
foi inventada para ser calada.
Em momento de graça, infrequentíssimos,
se poderá apanhá-la: um peixe vivo com a mão.
Puro susto e terror.
                                                     Adélia Prado

O leitor e a poesia

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Poesia

         não é o que o autor nomeia,
         é o que o leitor incendeia.

        Não é o que o autor pavoneia,
        é o que o leitor colha à colmeia.

        Não é o ouro na veia,
        é o que vem na bateia.

Poesia

        não é o que o autor dá na ceia,
       mas o que o leitor banqueteia.

                                                      Affonso Romano de Sant'Anna

Barulho

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Todo poema é feito de ar
apenas:

              a mão do poeta
              não rasga a madeira
              não fere
                                      
                                 o metal
                                 a pedra

              não tinge de azul
              os dedos
              quando escreve manhã
              ou brisa
              ou blusa

                                de mulher.

O poema
é sem matéria palpável
             tudo
             o que há nele
             é barulho

                           quando rumoreja
                           ao sopro da leitura.

                                Ferreira Gullar